Prosa Com o Autor Paulino Jr
A Confraria Literária do Colégio de Aplicação - UFSC teve o prazer de realizar mais uma Prosa Com o Autor, desta vez com o escritor Paulino Jr, que escreveu o livro de contos premiado pela Academia Catarinense de Letras, Todo Maldito Santo Dia. O evento aconteceu na última sexta-feira, dia 24 e foi mediado pelo professor João Nilson que trouxe grandes contribuições para o debate que girou em torno dos contos. A estudante de Jornalismo, Carol Gómez, foi responsável por coordenar o evento e por realizar a entrevista com o autor.
Logo no início, foi proposta uma leitura coletiva do primeiro conto do livro Todo Maldito Santo Dia. Mercadoria, assim batizado, foi lido pela aluna Olga. O conto retrata um ser humano que precisa entrar no mercado de trabalho, que torna-se quase um objeto ao competir com outros. Enquanto alguns autores usam a personificação como figura de linguagem, Paulino usa uma objetificação do ser humano.
"Estou à venda hoje e amanhã. Os conselheiros nos orientam apensar assim. Manter o que chamam de “consciência de vitrine”. Ou seja, sempre haverá oferta melhor desde que a gente consiga mostrar qualificação, aptidão, preparo, execução e ‘diferencial’. A viabilidade gera nosso valor, e só como funcionais estabelecemos relações uns com os outros." Mercadoria - Todo Maldito Santo Dia
Após a leitura do conto, a estudante Carol conduziu uma conversa com o autor. Paulino contou que seu livro demorou 10 anos para ser publicado. Quando questionado sobre escrever crônicas para o jornal, Paulino contou que a experiência é muito boa, porém ter a obrigação de publicar algo semanalmente não é algo com o que ele se sinta muito a vontade, pois gosta de escrever suas histórias com calma e conforme elas surgem, por isso deixou de escrever para o jornal.
Depois da entrevista, Paulino fez a leitura do segundo conto da noite: Maquinomem Feliz. O enredo narra a rotina de trabalho de um funcionário de um restaurante fast food e mostra a ascensão do mesmo na hierarquia dessa empresa. O conto também mostra algumas características da personagem que enojam o leitor e tornam a leitura um soco no estômago. Após a leitura, os confrades ficaram em silêncio durante um tempo, talvez refletindo sobre o assunto do conto.
O encontro ainda rendeu muita conversa e teve até sorteio de livros autografados e sessão de fotos com o autor. A maioria dos cofrades presentes não conheciam o livro Todo Maldito Santo Dia, mas sairam de lá surpreendidos.
Veja clicando aqui a galeria do evento.
Confira a entrevista de maneira mais detalhada:
C: Você se lembra quando começou a escrever contos? P: Levando em consideração que minha primeira forma artística de expressão mais consciente foi a música, no gênero Punk Rock, posso datar que comecei nos idos de 1993. Nesta fase escrevi letras que contavam histórias calcadas na temática da classe trabalhadora, na abordagem político-ideológica, e no escárnio da busca pelos prazeres artificiais e frívolos de nossa sociedade. Ou seja, muito do que está presente nos meus contos.
C: Por que contos e não algum outro gênero literário? P: Essa determinação se deu naturalmente. Com o tempo passei a desenvolver essas histórias que eu considerava pertinentes, assim não me interessava contá-las com a concisão de um poema nem a extensão de um romance, logo, saiam contos. Aliás, encaro o conto como uma síntese entre a poesia e o romance.
C: Seus contos são bem irônicos e falam do cotidiano. Por que você escolheu trabalhar suas histórias desta forma? P: O termo ‘ironia’ – bem observado por você – diz muito. Ironia é a manifestação de uma ideia que afirma algo com a intenção de negar o que é afirmado. Apetece-me o lúdico, o jogo com o leitor nesta tática de levá-lo a percorrer o labirinto penumbroso – que é nossa vida nesta sociedade –, e do percurso nas trevas fazer surgir a centelha que ilumina.
C: Quanto tempo demorou para conseguir que o livro fosse publicado? P: O livro é fruto de nove anos de atividade constante, penso que saiu no momento certo (graças ao apoio do Edital Elisabete Anderle 2013 da Fundação Catarinense de Cultura). Porém, luto e labuto para publicar os contos em concursos e periódicos desde que comecei a escrever. É cada vez mais difícil o escritor independente publicar sem colocar a mão no bolso para bancar a publicação. Por isso a importância das políticas públicas para auxiliar aqueles que lutam para que as palavras não sejam esterilizadas num país em que não há o hábito da leitura.
C: Quando você decidiu que trabalharia apenas como escritor? P: Assim que cheguei em Florianópolis, em 2005, acompanhando minha mulher que havia passado no concurso para professora. Eu também era professor e passei um tempo sem emprego assim que cheguei. Tempo em que me dediquei à escrita. Contei com a parceria e suporte da minha mulher e logo não me vi mais fazendo outra coisa, até porque sou um fundamentalista por natureza e assumir a identidade de ficcionista implicou no distanciamento da carreira acadêmica e da licenciatura. Costumo dizer que já vivi de literatura – lecionando em instituições de ensino –, até que resolvi viver ‘pela’ literatura e me tornei afiador de faca e tesoura.
C: Até algum tempo você era cronista do jornal Notícias do Dia, como surgiu essa oportunidade? P: Recebi o convite depois da repercussão de Todo maldito santo dia. Com que frequência você escreve para eles? A colaboração era semanal, minha coluna era a das segundas-feiras. A experiência foi ótima, porém, o compromisso da produção constante para a publicação imediata acabou se confrontado com minha dedicação à literatura – na labuta dos meus contos. Eu até aproveitava muitas das ideias e narrativas no espaço do jornal, só que me assombrava outra questão: o leito de Procusto. Doía-me ter que submeter uma criação literária a um determinado número de caracteres, à maneira do sádico personagem da mitologia grega em que fazia a vítima deitar na cama de sua residência e, dependendo do comprimento do coitado, ajustava com esticamento ou amputação. C: Alguma dica para quem tem vontade de ser escritor? P: Sim: Não deseje ser escritor, deseje escrever.